Sempre que uma crise governamental se instala, analistas e comentadores de política apontam falhas na comunicação governamental. Foi assim com as crises de aumento do pão, do aumento do preço dos combustíveis, dos transportes e até da insurgência em Cabo Delgado. Mais recentemente, foi o caso das cheias na Província da Maputo e agora a greve dos médicos e dos funcionários de saúde, que mais uma vez colocam a Comunicação Governamental sobre escrutínio publico, afirmando que a comunicação governamental é deficitária.
No Programa Noite Informativa da STV (20.08.2023) Moisés Mabumba e Samuel Simango, falando sobre a Greve dos Médicos e dos Funcionários da Saúde, destacam a fraca capacidade comunicativa do Governo, como um dos principais factores que tem contribuído para o extremar de posições entre as partes e para o agravamento da CRISE.
As sucessivas crises pelo que o Governo vem passando nos últimos tempos, levantam a necessidade de uma reflexão sobre o papel e a contribuição da comunicação na governação, se tomarmos em linha de conta, que não é possível dissociar a comunicação da acção governativa, uma vez que uma governação de sucesso é aquela que coloca o cidadão no centro da sua acção.
As deficiências de Comunicação do Governo, não podem ser sustentadas por um princípio de incompetência ou de incapacidade dos gestores de governamentais de gerir seus processos de comunicação. há vários factores de carácter estratégico e operacional, que tem contribuído para uma comunicação deficiente do GOVERNO, com impacto negativo sobre sua capacidade de estabelecer relacionamentos, resolver conflitos e proteger sua reputação.
Não pretendo fazer uma discussão teórica sobre o conceito de Comunicação Pública ou Governamental, mas perceber, quais os factores que fazem com que a Comunicação Governamental seja deficiente e apontada como um dos elos mais fracos da Governação, sempre que crises acontecem.
O PAPEL E O VALOR DA COMUNICAÇÃO NAS ORGANIZAÇÕES
Um ponto importante e fundamental para a compreensão do papel da comunicação e sobre sua importância para as organizações, é que elas, devem em primeiro lugar, ser entendidas como parte inerente à natureza das organizações, pois, estas, são formadas por pessoas que se comunicam e se relacionam entre si e que, por meio de processos interativos, viabilizam o sistema funcional para sua sobrevivência e cumprimento dos objetivos organizacionais num contexto de diversidades e de transações complexas.
Apesar de percebermos que a comunicação é imprescindível para as organizações, muitas, particularmente em Moçambique, continuam a enfrentar desafios importantes no que tange a sua aplicação. O maior constrangimento para o sucesso da comunicação nas instituições publicas e governamentais em moçambique, tem haver com o papel e posição que lhe é destinada.
No início da década 1990, a caminho do Seculo XXI, A comunicação deixou de ser vista apenas como ferramenta de gestão táctica e passou a ser considerada área estratégica nas organizações. Assim, no contexto atual não há como pensarmos comunicação senão de forma estrategicamente planejada, fundamentada nos valores corporativos e focada no cumprimento dos objetivos de negócios das organizações. No caso do sector público a ideia central é a mesma.
Infelizmente muitas organizações e gestores de organizações ainda não perceberam a importância e papel que a comunicação deve desempenhar em suas organizações. Em muitas organizações, principalmente nas organizações governamentais, a comunicação ainda desempenha um papel marginal, sem nenhum valor estratégico. Ou seja, a comunicação é vista por boa parte das nossas organizações e seus gestores, como uma área meramente de apoio, de gastos, de produção de materiais (camisetes, bonés) atendimento a imprensa, organização de festas corporativas, Dia da Mulher, Dia do Trabalhador entre outras. Esta visão reducionista do papel e da função da comunicação e das relações publicas nas instituições, constitui em si, um grande entrave ao crescimento das organizações.
Organizações de sucesso, pensam a comunicação de forma estratégica e organizada. Se no passado pensávamos que o sucesso das organizações resultava apenas da gestão adequada dos recursos financeiras e materiais, hoje, o sucesso das organizações depende muito mais da qualidade das relações que elas estabelecem, seja a nível interno ou externo.
Pensar estrategicamente a comunicação, significa planear e organizar o processo de comunicação ao nível da organização. Significa, buscar resultados a longo prazo e as melhores acções para garantir o cumprimento dos objectivos estratégicos da organização. pensar estrategicamente a comunicação ao nível da organização, significa, posicionar a função no contexto da organização, dando-lhe acesso directo ao sistema administrativo, permitindo que ela (comunicação) possa assessorar a Direcção da empresa, avaliando seus objectivos e fazendo recomendações sobre como a área pode contribuir para esses objectivos; contribuir para analise de planos dos planos de negócios das empresas, identificando problemas e oportunidades para área de comunicação e estabelecendo programas para minimizar situações indesejadas e maximizando situações positivas; antecipar do ponto de vista de comunicação situações que possam vir a causar impactos negativos sobre a organização e acima de tudo, desenvolver a função de forma planeada e integrada as demais áreas da organização.
Do ponto de vista da governação, pensar estrategicamente a comunicação, que ela deve acompanhar todos os processos de governação, através de um processo de planificação e organização das suas actividades de modo que os governantes consigam dialogar com os seus públicos distintos.
Significa ainda que, os planos de governação como por exemplo o PES – Plano Economico Social ou Programa Quinquenal do Governo, devem definir a comunicação como uma ferramenta estratégica para a sua implementação e sucesso.
Numa analise rápida do Programa Quinquenal do Governo 2020-2024, no Pilar II: Promover a Boa Governação e Descentralização, define a boa governação como “A boa governação refere-se a mecanismos, processos e instituições, sobre os quais os cidadãos e grupos sociais articulam interesses, exercem os seus direitos, cumprem as suas obrigações e medeiam as suas diferenças. A boa governação visa garantir a transparência e participação de todos, providenciar a eficácia e eficiência na prestação de serviços ao público” para tal, recomenda no ponto (V) dos objectivos estratégicos, para garantir a consolidação da boa governação e da descentralização, que o Governo, “assegure serviços de comunicação social e informação de qualidade”.
Se a prioridade do governo é promover a boa governação e a descentralização, então, do ponto de vista de comunicação, o seu objectivo estratégico, deveria estar orientado para o desenho e elaboração de uma política e estratégia de comunicação, que contribua para garantir a consolidação da boa governação e da descentralização. Mais ainda, a política e estratégia de comunicação do Governo deve estar igualmente orientada para garantir o cumprimento do Plano Quinquenal do Governo.
GESTAO DA COMUNICACAO GOVERNAMENTAL
Em moçambique, a gestão comunicação governamental é da responsabilidade do Gabinete de Informação de Moçambique (GABINFO). Subordinado ao Gabinete do Primeiro-Ministro, esta entidade, tem tutela sobre todos os organismos estatais e órgãos de comunicação públicos, presta assessoria ao executivo em questões específicas da área da comunicação, promovendo, entre outros, a divulgação e acesso à informação sobre as actividades governamentais. Compete igualmente ao GABINFO o registo e licenciamento dos meios de comunicação social.
Se olharmos atentamente para as atribuições do GABINFO, facilmente percebemos que estamos perante a uma organização que tem na sua génese, a gestão do relacionamento entre o Governo e os Órgãos de Comunicação Social com foco num modelo de “informação pública”, caraterizado como jornalístico, que dissemina informações relativamente objectivas por meio dos media em geral e dos meios específicos de comunicação.
Não existe um investimento no relacionamento proativo e permanente com públicos estratégicos. mais importante, falta-nos uma visão estratégica e directrizes da comunicação governamental, para garantir o cumprimento dos objectivos e do programa de governação.
O GABINFO precisa de uma vez por todas, assumir um papel estratégico, na Gestão da Comunicação Governamental e servir para prever e mitigar situações de crise, gerir relacionamentos e não apenas fazer comunicação ou campanhas sobre as realizações do Governo. Enquanto o foco do processo de comunicação governamental estiver fundado no modelo de comunicação unidirecional, as crises irão continuar a acontecer e a qualidade de resposta do Governo, continuará baixa, pois será sempre reactiva.
A semelhança do GABINFO, a maior parte das instituições publicas e ou governamentais, tem o foco dos seus processos comunicacionais orientados para gestão do relacionamento com a imprensa. Nossos governantes estão preocupados com aquilo que se diz sobre eles e sobre suas instituições nos órgãos de comunicação social e não com a construção de relacionamentos com seus principais stackholders.
Este modelo, prioriza acções de comunicação mais “táticas”, as acções tem um carater reativo e visam essencialmente proteger os executivos contra os ataques da imprensa, produzir Relatórios Boletins Informativos, Spots Publicitários Comunicados de Imprensa, entre outros instrumentos de comunicação unidirecionais, em detrimento de um pensamento estratégico e bidirecional, como recomendado.
Entretanto, o cenário actual caracterizado por impactos sociais, económicos e tecnológicos geradores de tensões, exige a adopção de novas posturas a comunicação ao nível das organizações. Seu papel deixa de ser meramente reativo e unidirecional e passa a ser estratégicos e orientado para uma diversidade enorme de públicos, mostrando aa relevância da comunicação e a necessidade de sua administração.
Porque o modelo actual não satisfaz de forma efectiva as necessidades da governação, para que a comunicação Governamental seja eficaz e excelente, deve o GABINFO ampliar o seu campo de acção, deixando de lado a logica de assessoria de imprensa, passando a incorporar na sua actuação uma logica de “comunicação” que tem como foco:
- Assessorar o Governo, avaliando seus objectivos globais e fazendo recomendações como a área de comunicação pode contribuir para o alcance desses objectivos;
- Contribuir para a analise do Plano Quinquenal do Governo e do PES, identificando problemas e oportunidades para área de comunicação, estabelecendo programas, programas para minimizar impactos negativos e maximizar impactos ou situações positivas.
- Antecipar e gerir situações de crises que possam causar impactos sobre a reputação do Governo;
- Desenvolver a sua actividade de forma planeada e sempre integrada as demais áreas de governação. Ou seja, colocar a comunicação como um meio para atingir os objectivos estratégicos e não como o fim em si.
É importante que se repense o papel do GABINFO, dotando-lhe de maior capacidade operacional, técnica e humana para que efectivamente se torne a agência de comunicação do Governo. Precisamos de uma discussão abrangente sobre o tipo de comunicação que pretendemos a nível governamental. de olhar para a qualidade e a formação dos actores ou fazedores de comunicação, de olhar para os desafios que o país enfrente hoje e perceber qual é e deve ser o papel da comunicação. Acima de tudo, precisamos de buscar um modelo de comunicação que se adequado ao novo paradigma de Governação: A descentralização.
O PERFIL DOS PROFISSIONAIS DE COMUNICAÇÃO
Não menos importante do que dar o devido valor a comunicação e as relações publicas, nas organizações, o perfil dos profissionais e suas competências, desempenham um papel de igual importância, para o sucesso da comunicação ao nível das organizações. A competência e iniciativa profissional são também de extrema importância para a excelência de comunicação, uma vez que o profissional de comunicação deve ser aquele que viabiliza a convivência permanente entre a inovação e a rotina, a evolução e o retrocesso, a estabilidade e a instabilidade, a regeneração e a inércia (Gonçalves, 2013: pp. 65-66).
Segundo Margarida Kunsch, as Relações Publicas lidam directamente com a organização e seus públicos “promovendo e administrando relacionamentos e muitas vezes, mediados conflitos, valendo-se para tal, de estratégias e programas de comunicação, de acordo com diferentes situações no ambiente social e corporativo”.
Nessa perspetiva, Kunsch (1997) identifica o profissional de relações públicas como sendo o elemento mais indicado para exercer essa tarefa, uma vez que o seu campo de acção está direcionado para a análise dos planos da organização, identificando problemas e oportunidades.
É importante que os profissionais das relações públicas sejam capazes de inserir a comunicação governamental num processo produtivo, com a implementação de programas inovadores e eficazes de comunicação, tendo em vista um entendimento cordial entre a classe política e os públicos-alvo, colocando desta forma, as relações públicas como o motor de toda a máquina de comunicação ao nível da organização, pois as suas práticas imprimem dinamismo institucional, funcionando como principal indicador do posicionamento que qualquer organização deve ter em termos de imagem e de ideologia, numa altura em que as disputas políticas pelo poder são cada vez mais acirradas.
Entretanto, em Moçambique, talvez porque derivado do modelo de comunicação unidirecional e orientado também pelo perfil funcional do GABINFO, uma boa parte dos gestores de comunicação das instituições governamentais, são efetivamente jornalistas, e não gestores de relações publicas com uma visão ampla dos processos de comunicação organizacional e corporativo orientados para construção de relacionamentos entre a organização e seus públicos. Não quer isto dizer, que Jornalistas não podem trabalhar comunicação organizacional. É preciso enquadrar devidamente o papel dos jornalistas e do jornalismo, dentro da estrutura de comunicação de uma organização, para não criar desvios, no foco de actuação de tais estruturas.